Já pressupondo que a fotografia seja considerada uma possível expressão artística, ela é, de certo modo, a arte do encontro. Pensemos da seguinte maneira: para pintar uma paisagem oriental, basta acessar o poder imaginativo que há dentro de si, acessar toda a carga cultural sobre o assunto, senti-la e então transcrever essa emoção sobre a tela em branco. Se deseja escrever sobre o oriente, o processo é o mesmo mas com a saída artística sendo a literatura. O mesmo serve para a música, escultura, dança. Quando chegamos à fotografia, a coisa muda de cenário. Se desejo fazer uma foto do oriente, obrigatoriamente precisarei ir de encontro ao oriente.
Não sendo um combatente, temos apenas uma ideia de como é um fronte de guerra, ou uma trincheira e o clima tenso de estar num local desses. A literatura nos conta – então imaginamos. As pinturas nos mostram uma versão “inventada”, “romantizada” do assunto. A música nos alcança com a vibração e o clima do local. A fotografia, principalmente a documental – com seu papel banal de trazer a “realidade” -, mostra bem isso. Como a foto icônica de Robert Capa, famoso fotógrafo de guerra, que capturou o instante exato em que um homem levou um tiro na cabeça. Esse homem morreu diante de Capa, que estava fisicamente ali, em campo de batalha, junto com os atiradores.
Lógico que daqui poderiam surgir mil e uma variantes atuais que refutaram essa minha análise. A fotografia contemporânea (ou pós-contemporânea) diria que não é necessário mais estar no local para fotografar. Com muita coisa virtual acontecendo, tem gente fotografando por lives de Zoom, fazendo captura de telas de celular ou monitor do notebook. É possível fotografar alguns lugares também. Hoje mesmo eu estava andando pelas vielas de Tóquio e depois dei um pulinho ali no Castelo da Boa Esperança, na África do Sul. Tenho fotos para provar isso, todas feitas pelo Google Maps.
![Viela em Tóquio Viela em Tóquio](https://hynd.com.br/wp-content/uploads/2021/10/Schermata-2021-10-04-alle-12.18.15-400x300.png)
Templo em Tóquio.
![Castelo da Boa Esperança. África do Sul Castelo da Boa Esperança. África do Sul](https://hynd.com.br/wp-content/uploads/2021/10/Schermata-2021-10-04-alle-12.22.56-400x300.png)
Castelo da Boa Esperança, África do Sul
Independente dessa filosofia barata, e das presentes possibilidades de se fotografar remotamente – usando drones, telescópios espaciais, balões, sondas ou a webcam do amiguinho pelado do outro lado do mundo, o ponto que desejo alcançar é de que, mesmo a fotografia nos oferecendo uma ampla criação de conteúdo e imagens (além das diversas intervenções com outras linguagens e técnicas visuais), sua essência é o Encontro.
Encontro entre fotógrafo e retratado. Encontro entre fotógrafo e montanha. Entre fotógrafo e nascer do sol. Entre fotógrafo e manifestação. Entre fotógrafo e corpo nú. Entre olhares, atmosferas, ambientes, temperaturas, altitudes, cheiros, barulhos, luzes, movimentos, espaço, dimensão. Experiências reais do momento presente. A fotografia encontra tudo e a todos. Diferente do pintor que pode criar um nascer do sol em pleno meio dia, o fotógrafo precisa acordar às 4hrs da manhã para fazer isso. A intenção não é comparar expressões artísticas e colocá-las em equivalência, mas mostrar suas diferentes qualidades, aproximações e relações com a realidade e o artista. Obviamente que uma boa pintura ou música teve também sua experiência física já incorporada e sentida, mas na fotografia essa experiência acontece em tempo real, no ambiente real, ao mesmo tempo que também resgata outras experiências já passadas e incorporadas – como todas as outras artes fazem.
Constantemente a fotografia convida o artista criador a sair de sua zona de conforto, se ele quiser fazer, poderá sempre evoluir e criar peças novas com perspectivas diferentes e mais ousadas, levando-o sempre a um encontro mais inesperado que o outro. Apontar a câmera para um estranho na rua é de uma responsabilidade imensa, é estabelecer uma relação, mesmo que rápida, com o desconhecido – estando a mercê de reações suaves ou brutais. Dependendo da distância focal da lente, esse encontro pode ser mais ou menos intenso/íntimo – para ambos os lados. Isso nunca aconteceria numa sessão virtual ou remota.
![](https://hynd.com.br/wp-content/uploads/2021/10/Schermata-2020-04-17-alle-15.16.38-1024x637.jpg)
Imagem de uma sessão de fotos remota que fiz em 2020. Isso também seria um encontro?
O movimento interno que o Encontro na fotografia gera em mim, Jorge, é muito forte. Causador de altos conflitos e indagações, motivo pelo qual escrevo e reflito com frequência. É pelo encontro que escolho e continuo fotografar, mesmo nem todos sendo bons. E embora todas as possibilidades existentes de gerar imagens vêm se transformando por conta do avanço das soluções virtuais, sem precisar estar lá presencialmente, sinto que o encontro dificilmente será substituído, apenas evitado por alguns. Mas para aqueles que têm sede de trocas e experiências, mesmo correndo riscos de nem todos os encontros serem bons e proveitosos, sabem que essa é uma qualidade insubstituível da fotografia. Tão insubstituível que a usamos constantemente para mostrar aos amigos e parentes que estávamos ali, naquele ponto turístico maravilhoso, mesmo que a viagem tenha sido uma bosta. Ou até para irmos de encontro com nós mesmos, nos autorretratos da vida, e isso nem sempre é fácil. Compartilhamos nossas experiências reais através da fotografia, contamos histórias sobre essas experiências. Hoje esse é um papel fundamental da imagem.
![](https://hynd.com.br/wp-content/uploads/2021/10/MG_2439-1024x683.jpg)
Quando encontrei eu mesmo com 75 anos de idade. São Thomé das Letras, 2018
Quando digo que sou fotógrafo do corpo e do movimento, não é literalmente só isso, apesar de boa parte do meu trabalho ter o corpo, nudez, dança e expressividade corporal como representatividade. A fotografia que me interessa é a que faz o MEU corpo se mover ao encontro dela. Aquilo que faz eu levantar a bunda da cadeira para buscar, juntar elementos reais, pessoas, ir a lugares distantes, muitas vezes me vulnerabilizando emocionalmente e fisicamente, já que compreender e coletar todos os elementos pulsantes e desejantes que habitam em mim não é uma tarefa fácil de se fazer. Mas é isso, esse é o intuito da minha fotografia: o encontro (comigo, com as pessoas, com os elementos), e a experiência que esse encontro proporciona. Por isso tanto faz se é fotografia documental ou um ensaio nú, em estúdio onde tudo é controlado (sqn). Para mim é tudo a mesma coisa. Tendo o choque do encontro que buscava; tem experiência, tem fotografia. Cada ambiente e cada encontro proporcionam uma dinâmica e resultado diferente, que não define a fotografia só pelo seu final: uma imagem bidimensional dentro de um quadro limitado. O encontro é tudo aquilo que está dentro desse “quadro limitado”. Não importa se foi profundo ou superficial, rápido ou demorado, pensado ou improvisado. O corpo sai em busca de algo que pulsa, deseja. No meio desse processo, que é constante, às vezes é possível registrar alguns encontros.