“O obstáculo não interrompe a prática, o obstáculo é a prática.”
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Quando eu era pequeno, ali da infância para a pré adolescência, lembro que muitas vezes pensava muito nas coisas que deveria fazer num futuro próximo. Algo como uma prova do colégio, ou acompanhar os adultos onde não queria para visitar pessoas. Obrigações que crianças não têm muito bem como opinar, já que muitas de suas escolhas são feitas pelos mais velhos. Já é de conhecimento geral que pensamento no futuro gera ansiedade e, apesar de não me recordar se ficava ou não ansioso, pra amenizar o impacto daqueles pensamentos e obrigações eu acabava racionalizando frases como “ah, é só mais um obstáculo, depois vai ficar tudo bem” e projetava a imaginação para depois do “obstáculo”. Essa função durou por um tempo até que fui crescendo e a necessidade de repetir isso pra mim mesmo foi diminuindo. Hoje não me lembro quando foi a última vez que pensei que alguma coisa como “um obstáculo”.
Ano passado, 2020, em passeios pelas redes sociais, acabei me deparando com uma frase no perfil de um grande amigo: “O obstáculo não interrompe a prática, o obstáculo é a pratica.”. Caí de amores instantaneamente, pois essa frase sintetiza um pensamento filosófico sobre a verdade inerente a todos os seres humanos. Afirmação bastante ousada, por assim dizer. A TODOS os seres humanos? É tangível dizer que todos nós, independente de quaisquer diferenças de classe social ou raças, temos desafios na vida. Basta nascer, que o primeiro deles é sobreviver e, posteriormente, chegar à velhice com saúde sem morrer no meio do caminho – frágeis que somos. De qualquer modo, não estou aqui para direcionar o texto a um pensamento tão elevado, de vida ou morte, envolvendo toda a humanidade. Quem sou eu. Gostaria apenas de frisar que independente do berço que nascemos, sempre deve existir respeito ao caminho alheio (lembrando que respeito não significa gostar ou participar junto). Todos os caminhos têm sua equivalência de dificuldade e obstáculos que cada um pode tolerar, nenhum é mais fácil ou difícil do que o nosso próprio, até porque ele é nosso. Talvez alguns caminhem mais para um sofrimento intelectual, enquanto outros vão para o sofrimento físico, ou emocional. Sendo tudo transitório, numa mesma vida podemos navegar por diversos sofrimentos e obstáculos. Não deve ser muito difícil identificá-los, até porque tudo que é “ruim” e nos tira da zona de conforto, é muito fácil perceber. Dificil mesmo é transformar a paralisia do obstáculo em ação.
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inércia
Hoje, aos 35 anos, paro pra analisar minha vida e percebo algumas esferas da qual faço parte. Através delas tenho como um dos objetivos o autoconhecimento, a busca de me aprimorar como pessoa, e uma possibilidade de entender o mundo ao meu redor. São esferas que chegaram até mim através de toda aleatoriedade presente no universo. Quando elas se apresentaram, experimentei, gostei e as adotei propositalmente. Para ilustrar melhor, a Fotografia é uma esfera da qual faço parte. Fotografia e imagem para mim não são apenas um trabalho gerador de riqueza material, mas também uma ferramenta de crescimento e conhecimento. Algo que escolhi estudar e trazer consciência para entender o mundo. Se assim eu desejar, e conseguir, a esfera da fotografia permanecerá comigo até o fim de minha vida. Ou até que eu seja vencido pelos obstáculos gerados com o aprofundamento dos estudos dela mesma. Esses obstáculos se apresentarão das mais diversas formas: da mais palpável do mundo material à mais subjetiva do meu íntimo, como por exemplo problemas financeiros para comprar equipamentos e bancar a profissão em meio a tantos avanços tecnológicos, até algo como sentir inveja de outros artistas e lidar com as minhas próprias expectativas em relação ao que eu mesmo entendo o que é fotografia. Ambos são obstáculos a vencer, mas vencer não significa eliminá-los, mas sim integra-se.
Dei o exemplo da fotografia, mas a possibilidade é imensa e funciona de uma maneira diversa para cada um. O traço em comum é que, para cada prática que persistimos – e que não precisa necessariamente ser relacionada ao autoconhecimento – haverão obstáculos embutidos ali, como efeitos colaterais da própria prática. Uma relação amorosa pode também entrar nessa. Os obstáculos aparecerão na relação, cabe aos envolvidos entenderem a constante mudança que lhes circunda para encararem a relação como uma oportunidade de observação de si através do outro, e disso aprender a se melhorar como ser humano. Mas é preciso sair do lugar comum e encarar os obstáculos que aparecerão como parte natural do próprio processo dessa união. Se a relação for baseada em ilusões, e o casal viver meio que no automático/inconsciente, sem um trabalho persistente para quebrar os padrões de cada um, a relação estará fadada a acabar. Em termos líquidos, das relações fugazes contemporâneas, a primeira pedra no caminho faz com que um casal se separe, porque a tolerância dos envolvidos está cada vez mais baixa. É mais fácil trocar de parceiro ou parceira do que persistir e entender o que incomoda ali. O obstáculo é o próprio encontro, a própria prática.
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o silêncio das pedras
Lógico, isso não quer dizer que não temos o livre arbítrio de abandonar pessoas, profissões ou situações. Saber dizer NÃO é, também, um obstáculo. Afinal nossa criança teve que dizer vários sim lá trás. Saber a hora de negar e escolher não seguir um determinado caminho é, muitas vezes, mais importante do que persistir num assunto que só faz mal. Para compreender quando essa linha tênue está sendo ultrapassada é preciso uma boa dose de discernimento, verificando se a decisão é uma vontade legítima ou uma persistência egóica baseada num gatilho. Uma vez que somos compostos por narrativas estabelecidas desde a infância, sair de uma narrativa viciada é uma vitória sem precedentes. Esse discernimento pode ser obtido através de um estado de paz e harmonia com o próprio centro, um equilibrio ideal entre o interno e o externo, possivel de adquirir através da meditação/silêncio – mas não só ela, qualquer prática que te faz olhar para dentro contribui no processo.
Meditar é uma prática cheia de obstáculos inerentes a ela mesma. Primeiro porque hoje em dia ela se apresenta como solução para todos os problemas, quando na verdade em vários momentos irá enaltecê-los. Não demonstra resultados sólidos claros como o dia, apenas com uma boa frequência será possível entender o que está acontecendo dentro de si, e como isso se relaciona com o todo. Numa sociedade onde tudo precisa de explicações concretas, diplomas assinados e reconhecimento público, persistir em algo tão “subjetivo” e individual trará muitos questionamentos e desconfortos ao praticante, tanto fisicamente como mentalmente, fazendo-o ter uma dinâmica de esquiva da prática, pronto para desistir no próximo obstáculo.
Importante parar e olhar em profundidade as esferas da qual estamos envolvidos neste momento presente da vida. Impossível não dizer que cada uma delas apresenta obstáculos, que com o tempo podem se tornar um problema crônico se forem negligenciados. Por isso uma ação é importante. É através da ação concreta no mundo que passamos por cima das pedras do caminho. Um movimento real, mínimo que seja, como simplesmente escolher descansar, já será o suficiente. A ação, de alguma maneira misteriosa, direcionará à solução (a uma reação), mesmo que não imediatamente. Por isso, paciência. Se ficarmos paralisados pelos obstáculos, corremos o risco de, nós mesmos, sermos confundidos com uma pedra, fazendo da vida, a maior prática de todas, o maior obstáculo já vivido.